Esplendor na Relva | “Federer e a Guerra de Tronos”, por Miguel Seabra (em Wimbledon)

Com a temporada americana a começar e assentada a poeira após todo o frenesim mediático que rodeou um novo triunfo de Roger Federer em Wimbledon, convém olhar mais friamente para o alcance da sua proeza e o que ela representa no legado que o suíço deixa para a posteridade. Aqui fica uma visão pessoal e global sobre o tema.

Miguel Seabra, em Wimbledon

Depois de tudo o que se viu este ano, não seria extraordinário que Roger Federer e Rafael Nadal discutissem entre si o título do US Open na única final de torneios do Grand Slam em que nunca se defrontaram? Protagonizaram juntos a cimeira de Melbourne, depois o espanhol dominou na sua terra prometida e o suíço regalou-se no seu jardim preferido. Com Andy Murray inferiorizado e Novak Djokovic impedido, o trono fica à mercê dos mesmos rivais que há 10 anos dominavam a seu bel-prazer o ténis mundial e que venceram os mais recentes torneios do Grand Slam sem a cedência de um único set.

A 131ª edição de Wimbledon concluiu-se há duas semanas com um campeão muito popular mas, para além do elevar da fasquia até níveis ainda mais estratosféricos por parte de Roger Federer, não deixará muitas saudades. Sim, a meteorologia foi excelente ao longo da primeira semana (tão boa que os courts ficaram cozidos e a superfície de jogo deteriorada), mas não tivemos muitos duelos memoráveis que perdurarão na memória coletiva – no plano masculino houve ‘apenas’ a maratona entre Gilles Muller e Rafael Nadal que atingiu índices dramáticos no quinto set, enquanto na vertente feminina ainda houve mais alguns confrontos equilibrados (Konta-Vekic, Kerber-Muguruza e Konta-Halep; também o primeiro set da final feminina foi bom, mas depois o sentido foi unilateral).

Algumas das melhores finais que já vi tiveram lugar no Centre Court – começando por aquela que também é a primeira que a minha memória ainda consegue visualizar e que para mim se mantém como a cimeira de torneios do Grand Slam mais simbólica de todos os tempos devido aos intérpretes e à conjuntura da modalidade naquela altura (a de 1980 entre Bjorn Borg e John McEnroe, via RTP), até todas aquelas que acompanhei desde a bancada de imprensa e que me fizeram certa vez escrever que o epíteto de Theatre of Dreams dado a Old Trafford se aplicaria bem melhor a um certo relvado mais exíguo 300 quilómetros a sul de Manchester e nas imediações de Londres. Já vi e comentei na minha vida muitos encontros de cortar a respiração por esse mundo fora – mas nenhum outro me faz humedecer os olhos como a final de Wimbledon de 2001 que viu Goran Ivanisevic regressar dos confins do ranking para finalmente quebrar a sua malapata diante de Patrick Rafter por 9-7 num ‘People’s Monday’ de ambiente incomparável, nenhum me provocou uma paragem cardíaca como sucedeu no tie-break do quarto set da celebrada final de Wimbledon de 2008 entre Rafael Nadal e Roger Federer e nenhum me fez aguentar para além dos meus limites fisiológicos para assegurar o meu lugar e não perder o desfecho do longo quinto set na final de Wimbledon de 2009 entre Roger Federer e Andy Roddick.

Por isso, a final deste ano no All England Club foi uma grande decepção no sentido exibicional; sou o primeiro a sublinhar nos meus comentários que o peculiar sistema pontual do ténis permite recuperações inverosímeis (na primeira ronda do torneio feminino, Carina Witthoeft esteve a perder por 5-0 e um match point no terceiro set diante de Mirjana Lucic-Baroni e ganhou!), mas Roger Federer cedo agarrou o ascendente e a questão do título pareceu ficar definida logo a meio do primeiro set – até porque se sentia que não era o dia de Marin Cilic. A consequência deu razão a esse sentimento, porque de facto se confirmou que o seu físico o desmoralizou tanto como as oportunidades consecutivas aproveitadas pelo seu adversário.

E sim, Marin Cilic não estava no seu melhor e a condição médica do seu pé já era conhecida dois dias antes, junto de um núcleo muito restrito; refuto veementemente quaisquer alegações de quebra mental diretamente ligada à solenidade da ocasião – não teve a ver com o facto de estar a jogar uma final de Wimbledon, mas sim com o facto de não poder apresentar-se nas suas melhores condições numa final de Wimbledon para poder corresponder às suas expectativas e sobretudo às expectativas dos adeptos e dos seus compatriotas. Não nos podemos esquecer de que Marin Cilic já ganhou 17 torneios, incluindo o Open dos Estados Unidos em 2014 ao arrasar tudo e todos (incluindo Roger Federer nas meias-finais) sem mostrar qualquer sinal de pressão.

Reconhecendo que Marin CIlic estava efectivamente condicionado, não posso deixar de sublinhar que se falou demasiado da lesão. A começar pelas entrevistas no court conduzidas por Sue Barker, que iniciou o diálogo tanto com o vencedor como com o vencido abordando esse aspeto – e focando excessivamente o desfecho do encontro nessa inferioridade física do croata. Mesmo as duas conferências de imprensa tiveram demasiada conversa à volta do assunto quando o momento deveria ser mais do campeão. Sim, a final foi tristonha; ainda teve alguns lampejos de bom ténis: um delicioso amortie do suíço aqui, uma aceleração de Cilic ali, mas tudo demasiado condicionado ao sentimento de inevitabilidade que rapidamente tomou conta do Centre Court. Sobretudo a partir daquela aparatosa jogada no primeiro set em que o croata caiu na relva e o suíço concluiu em toque. Escrevi então nas minhas notas: “Patudo, deslocado”. Roger Federer não voleou particularmente bem mas respondeu melhor do que nunca a serviços ao corpo… via-se que seria campeão mais cedo ou mais tarde e foi-o, concluindo com um ás – foi a segunda vez entre os 19 match-points que lhe deram títulos do Grand Slam que fechou uma final com um ás, treze anos depois e no mesmo local da primeira ocasião, diante de Andy Roddick na decisão de 2004.

Melhor desportista de sempre?

Claro que a vitória de Roger Federer, para mais surgindo na senda vitoriosa que vem apresentando em 2017 (ganhou todos os torneios mais relevantes em que participou e só perdeu dois encontros, tendo tido match-point a seu favor em ambos!), voltou a trazer à baila nas redes sociais o paleio habitual do GOAT (Greatest Of All Times) e todos os sound-bytes a ele associados. Sempre fui muito contido nos debates relacionados com o(s) melhor(es) de todos os tempos, porque nunca me esqueço de que Rod Laver não pôde jogar 20 torneios do Grand Slam quando estava no auge da sua carreira por ter decidido passar a profissional após completar o Grand Slam em 1962, e quando regressou não só ganhou a primeira edição de Wimbledon aberta aos profissionais em 1968 como logo depois completou outro Grand Slam em 1969. Acredito piamente que ‘Rocket’ poderia perfeitamente ter chegado aos 25 títulos em torneios maiores, embora também não me esqueça de que todos os outros excelentes profissionais também teriam competido com Rod Laver para lhe tornar a vida mais dura nesse período de 1963 a 1967, e sou o primeiro a sublinhar que a discussão à volta do ‘Greatest Of All Time’ é um fascinante exercício que fomenta uma interessante perspetiva para quem tem esse recuo histórico… mas devo admitir que os dois títulos do Grand Slam conseguidos por Roger Federer no ano em que completa o seu 36º aniversário (a última vez que tinha ganho dois títulos do Grand Slam foi na temporada do seu 28º aniversário!) o transportam definitivamente para o patamar do melhor desportista de todos os tempos.

É verdade que Roger Federer perdeu demasiadas vezes com Rafael Nadal e com Novak Djokovic em momentos cruciais ou finais relevantes, sendo que uma das caraterísticas dos considerados melhores de todos os tempos é o domínio absoluto sobre os seus rivais contemporâneos. Mas Roger Federer tem de ser encarado numa perspetiva mais abrangente que tem a ver com o nível de aceitação e o grau de unanimidade conseguido – e, mais do que tudo, com o impacto transversal alcançado. Como sucedeu antes com Muhammed Ali, com Pelé. E a classe de Roger Federer é mesmo unânime. O homem é adorado em todo o lado, descontando a natural resistência dos Nadalianos mais ferrenhos e dos Djokovistas mais empedernidos (há sempre gente que coloca ídolos acima da modalidade e os próprios jogadores são os primeiros a admitir em surdina que muitas vezes o pior do ténis são os fanáticos que se aproveitam das redes sociais para fomentar guerrilha); se há dez anos o suíço era considerado a pessoa mais fiável do mundo logo a seguir a Nelson Mandela, imaginem hoje. E devo dizer que a sua imagem pública é praticamente condizente com a realidade, porque o helvético é mesmo assim: descontraído, relaxado, com sentido de humor, atencioso e vendo sempre o lado positivo das coisas. Ainda hoje, depois de tudo o que ele conseguiu na vida, me surpreendo com alguns momentos de candura ou mesmo risos juvenis nas suas conferências de imprensa.

Dei a mim próprio tempo para fazer este rescaldo de Wimbledon porque para mim é simultaneamente muito fácil e muito difícil falar sobre Roger Federer. É fácil porque o conheço muito bem, desde que o vi ganhar o torneio júnior de Wimbledon em 1998 ao lado de amigos jornalistas suíços e também perder na primeira ronda do Challenger de Espinho em 1999 diante de Joan Balcells, para depois derrotar Pete Sampras em Wimbledon 2001 num simbólico render da guarda – na altura, quando fazia os textos de previsão dos torneios do Grand Slam, apontava-o sempre como a possível surpresa e outsider na candidatura ao título (e ele deixava-me sempre ficar mal…). E também me é difícil falar sobre ele porque ou comentei todos os seus títulos/finais do Grand Slam para o Eurosport ou estava sentado ao lado do court, a tirar notas na bancada de imprensa, pelo que já escrevi e disse tudo sobre ele.

Ou quase tudo. Não sei bem porquê, mas acho que sempre ‘li’ bem o jogo de Roger Federer. Lembro-me que, após o seu quarto título do Grand Slam, fiz uma grande comparação com Pete Sampras em tema de capa no Jornal do Ténis – chegando à conclusão que, parâmetro por parâmetro, o suíço era melhor do que o americano no cômputo geral… e de João Lagos, que consultei para a elaboração do artigo, ter torcido o nariz na altura. Parecia quase heresia, 4 Majors contra 14. Depois cheguei a confrontar Federer em conferências de imprensa relativamente a áreas perfectíveis do jogo dele, para divertimento ou incredulidade dos meus colegas. Eles perguntavam-me se eu era maluco, até porque na altura Roger dominava por absoluto o circuito. Ele sempre me respondeu muito respeitosamente e elaboradamente, dizendo-me em Outubro de 2006 que abria bem o court com as suas acelerações de direita para precisar do ‘sugerido’ amortie de direita ou em Janeiro de 2007 que gostava da precisão da sua raquete de tamanho 90 para passar para o ‘sugerido’ tamanho maior. Hoje em dia, para além do amortie de direita que o ajudou a ganhar Roland Garros em 2009 e da raqueta de 97 polegadas quadradas desde 2014, também apresenta um jogo de pés com passos mais curtos para a sua esquerda – e, das minhas quatro ‘obsessões’, só não serve mais vezes à figura como eu sempre achei que ele deveria fazer. É claro que o facto de Roger Federer ter adoptado essas soluções que eu preconizava publicamente (sobretudo a partir da eclosão das redes sociais) não tem absolutamente nada a ver comigo, mas pelo menos foi graças a isso que ganhei uma certa reputação perante colegas, treinadores e mesmo jogadores que nunca leram os meus artigos ou comentários em português mas viam os meus tweets em inglês…

Mas isso passou à história. Na verdade, trouxe estes detalhes mais técnico-tácticos à baila porque a conferência de imprensa do ressacado Roger Federer no ‘day after’ após o seu 19º título do Grand Slam em Wimbledon foi muito importante nesse sentido: o suíço criticou a nova geração por não jogar suficientemente à rede e desenvolver o seu jogo de ataque mais dentro do court. Tem toda a razão. Mas, se Federer derrotou Sampras em Wimbledon a fazer serviço-vólei, é preciso reconhecer que durante muito tempo se refugiou excessivamente na sua combinação serviço-direita/esquerda em slice no fundo do court para acumular títulos do Grand Slam entre 2006 e 2010, mostrando frequentemente algum receio em vir para a rede diante de adversários mais duros (Rafael Nadal, depois Novak Djokovic e Andy Murray) e ficando desmoralizado quando falhava alguns vóleis. Um dos grandes críticos do facto de o helvético não fazer suficientes vezes serviço-vólei ou ir para a rede menos vezes do que o seu jogo ou as suas condições naturais (físico, técnica) permitiriam foi Sérgio Cruz, antigo campeão nacional e ex-treinador de Jim Courier, com quem me encontro regularmente na Suíça (reside em Basileia) e que fez questão de dizer tudo isso numa grande entrevista publicada no Jornal do Ténis há uns sete ou oito anos.

A contratação de Stefan Edberg e a adopção de uma raqueta maior à partida para 2014 não deram imediatamente frutos ao mais alto nível nessa altura (se bem que tenha jogado finais importantes), mas os resultados vêem-se agora: começaram agora a surgir de novo os títulos do Grand Slam sob a batuta de Ivan Ljubicic, um rapaz inteligente com quem sempre se deu muito bem (ia jantar frequentemente com ele quando coincidiram ambos no antigo Estoril Open) e que chegou a ser número quatro mundial com uma esquerda muito melhor do que a direita; a esquerda batida está melhor do que nunca, as subidas à rede mais sagazes, o serviço mantém-se cirúrgico e a direita não perdeu eficácia. Fora todo o cuidado que tem no plano físico e na calendarização da época.

Legado que precisa de aplicação

E chegamos à parte do legado. Que tipo de herança vai deixar Roger Federer, que influência tem ele tido no emergir de novas gerações de tenistas por esse mundo fora? Para já, tem mostrado que é possível uma carreira ao mais alto nível durante muito mais tempo do que se pensava se for mantido um certo equilíbrio nas mais diversas áreas; tem demonstrado que um físico longilíneo e leve é mais adequado ao ténis do que músculos e peso; tem provado que não é preciso isolar-se do mundo e ser uma prima-donna inacessível para gerir a fama. Mas… e o que mais salta aos olhos, o seu estilo de jogo clássico-moderno – se ele próprio criticou as novas gerações é porque os jovens que cresceram a vê-lo jogar e tornar-se no melhor tenista de todos os tempos não foram suficientemente influenciados por ele no plano técnico-táctico, certo?

Há uns sete anos fiz uma reportagem para o defunto Jornal do Ténis assente precisamente na influência de Roger Federer e Rafael Nadal entre os jogadores que competiam no Campeonato Nacional de Cadetes. Metade eram adeptos de um, a outra metade aficionados do outro. Lembro-me que, na final, o federista João Monteiro ganhou ao nadaliano Miguel Ramos – mas, entre todos os jogadores do quadro principal e do qualifying, havia apenas um ou dois que batiam a esquerda a uma mão. E isso remete diretamente para a formação: não vou aqui criticar os treinadores de base ou de aperfeiçoamento, até porque também já fui treinador e sei o difícil que é, mas é forçoso ter uma visão a médio prazo e pensar numa carreira a longo prazo. Stefan Edberg e Pete Sampras só tiveram as gloriosas carreiras que conhecemos porque os seus treinadores tiveram a coragem de ver que, consoante as suas caraterísticas, passar de uma esquerda a duas mãos para uma esquerda a uma mão seria fundamental! Há muito imediatismo e muita pressão nos escalões etários mais baixos e o padrão de jogo que dá resultados imediatos é seguramente o mais conservador…

Espero bem que o legado clássico de Roger Federer no plano técnico-táctico seja bem melhor do que aquele que se constata (na última década só vimos emergir no top 10 um tenista claramente influenciado pelo suíço: Grigor Dimitrov, o… ‘Baby Fed’), mas presumo que terá de haver também uma maior coragem por parte dos treinadores de formação e aperfeiçoamento para que isso seja uma realidade.

Recordo que Federer surgiu numa era pós-Sampras em que o circuito estava fragmentado, com sete ou oito diferentes campeões de torneios do Grand Slam nesse período entre 2001 e 2003, e que o suíço não só me pareceu revelar uma qualidade acima de qualquer outro na altura como também um ténis mais sofisticado. Na altura achei que ele poderia ser o Messias do Ténis e escrevi-o (em 2011 também escrevi que Petra Kvitova podia assumir o papel de salvadora do ténis feminino numa altura delicada do circuito WTA, mas entretanto Serena Williams regressou à ribalta e a checa mostrou-se demasiado irregular para aplicar o seu estilo ofensivo); trago agora aqui à baila esse artigo que fiz para o Expresso logo após o primeiro título do Grand Slam de Roger Federer, em 2003. Vale a pena dar uma vista de olhos… e refletir, 14 anos depois.

Novo messias do ténis

Campeão de Wimbledon, Roger Federer é profeta de um estilo em vias de extinção

O talento é simultaneamente uma benção e um fardo – porque aos talentosos é-lhes sempre exigido mais pelo simples facto de poderem fazer melhor do que os outros.

No passado domingo, o jovem suíço Roger Federer logrou sacudir a pressão das expectativas ao conquistar o primeiro título do Grand Slam… mas o facto de ter materializado todo o seu brilhantismo nos sagrados courts do All England Club colocou a fasquia muito alta: a comparação com Pete Sampras (que também ganhou aos 21 anos o primeiro de sete títulos de Wimbledon) torna-se inevitável e a previsão de que o seu palmarés será digno dos maiores de sempre também reúne unanimidade.

A crítica e os aficionados já sabiam do que Federer era capaz de fazer, embora tivessem ficado siderados com a maneira sublime como atingiu a maioridade: rubricando exibições imaculadas no mais famoso evento tenístico do planeta. A maneira ideal de aferir o valor de alguém é através do respeito que suscita entre os seus pares e todos concordavam que o helvético era feito da melhor cepa – agora, têm também a prova de que para lá do jogador está um competidor capaz de actuar ao mais alto nível nos momentos mais solenes.

«Eles gostam de me ver jogar», confessa. «Também eu gosto de me ver na televisão. Há muito poucos a jogar como eu». Essa cândida admissão é feita sem qualquer fanfarronice. Federer parece ser o único herdeiro de um ténis clássico e elegante tornado em desuso pela evolução tecnológica: maiores, mais leves e mais rígidas, as raquetas foram permitindo aos jogadores baterem cada vez mais forte no fundo do court e responder aos saques adversos com maior eficácia, originando o declínio daqueles que baseiam o seu estilo no binómio serviço-vólei.

John McEnroe tem fomentado um lobby destinado a promover a limitação oficial do tamanho das raquetas para travar a escalada da potência e preservar o jogo de rede – aparentemente em extinção no topo após as reformas de Patrick Rafter, Richard Krajicek e Pete Sampras. Federer fazia figura de ‘ave rara’, mas passou a ser encarado como um messias depois de se ter ajoelhado vitoriosamente na ‘Catedral do Ténis’: o seu sucesso instigará muitos jovens a imitar o seu estilo…

MAIORIDADE AOS 21 ANOS

As últimas décadas têm provado que os jogadores de fundo do court atingem a maturidade mais cedo do que os atacantes. Bjorn Borg, Mats Wilander, Andre Agassi e Lleyton Hewitt já discutiam cimeiras profissionais aos 18 anos; nessa idade, Roger Federer contentava-se em ganhar a prova de juniores de Wimbledon e precisou de mais tempo para amadurecer.

Tal como um complicado mecanismo de alta relojoaria suíça, as partes do seu jogo foram manufacturadas e trabalhadas com o fito de funcionarem entre si de modo perfeito. Actualmente, Federer até se apresenta como um jogador ainda mais fluído e completo do que Sampras, o recordista de títulos do Grand Slam (14) que ele derrotou na primeira vez que jogou no court central de Wimbledon (oitavos-de-final em 2001) e que nunca se sentiu bem na terra batida ou teve uma execução técnica de esquerda à altura do seu arsenal.

Roger é capaz de actuar em todo o tipo de pisos, de produzir todo o tipo de efeitos de bola, de criar todo o tipo de ângulos, de executar todo o tipo de pancadas – e ainda inventa quando é necessário. Faz tudo depressa e bem; a prática regular do futebol (hesitou entre ambas as modalidades até aos 13 anos) revelou-se fundamental para o jogo de pés e a extrema rapidez que ostenta no court.

O temperamento também levou a amadurecer. Federer sempre foi calmo e sorridente, mas a sua demanda perfeccionista levava a demonstrações de frustração quando as coisas não lhe saíam bem: partia raquetas e falava consigo próprio em tons menos agradáveis. Em 2001, comprometeu-se a mudar de atitude; desde então, foi acumulando títulos em todas as superfícies (este ano já vai em cinco troféus conseguidos em alcatifa, pisos duros, terra batida e relva!).

A simplicidade de Roger torna-o igualmente adorado por todos – a começar pelo país natal, ao serviço do qual se tem demonstrado invencível na Taça Davis. Apesar do ar mediterrânico e de o seu nome se pronunciar à maneira inglesa (a mãe é sul-africana), o rapaz de Basileia é encarado como um produto tão suíço como o Rolex Daytona que ostenta no pulso.

Federer é uma espécie de rebelde à maneira helvética – uma rebeldia ‘bon chic, bon genre’. Usa cabelo comprido e deixa a barba por fazer, mas o rabo de cavalo é meticulosamente arranjado e surge sempre impecavelmente equipado com o vestuário mais irreverente da Nike e o melhor modelo de raquete da Wilson (curiosamente, os mesmos ‘fornecedores’ de Sampras). Fomenta também uma célula muito coesa: a namorada Miroslava Vavrinec tem conhecimento das exigências da modalidade por já ter sido tenista profissional e é a relações públicas; o pai é o responsável pelos interesses comerciais; o treinador sueco Peter Lundgren assume igualmente o papel de irmão mais velho.

Todos eles sabem que têm entre mãos um ‘puro sangue’… e que a corrida (aos troféus e aos dólares) só agora começou.

In Expresso, 12 de Julho de 2003

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