Ser jogador em zona de guerra – do Sonho à Realidade

Quão difícil é a vida de um tenista que teve o azar de ver o seu país envolvido numa guerra? O site Tennis.com respondeu a esta difícil questão através de um artigo que conta uma pequena parte da história dos atuais representantes da equipa síria da Taça Davis, que treinavam em Alepo quando os conflitos começaram.

Alepo era a maior e mais populosa cidade da Síria, localizada no norte deste país. Era nesta cidade que se encontrava o complexo desportivo de ténis Al-Hamadaniah, criado em 2008 e considerado a principal infraestrutura de desenvolvimento de tenistas sírios com vista a jogarem na Taça Davis. Mas tudo mudou de um momento para o outro devido à guerra e há cerca de um ano o complexo foi atingido por uma bomba perdida (lançada por militantes na direção de uma base militar síria) que reduziu a escombros toda a esperança que ali ainda existia.

Todos estes acontecimentos fizeram com que uma cidade que se achava próspera e com vida se tornasse no maior pesadelo para os tenistas sírios e para toda a sua população. Atualmente, os melhores jogadores sírios são obrigados a treinar fora do seu próprio país. A seleção da Taça Davis é constituída por quatro elementos: Amer Naow, Kareem Allaf e os irmãos Bruno e Marc Abdelnour. São estes os quatro tenistas que carregam a bandeira do país numa tentativa de manter acesa a chama do ténis.

Alepo recebeu pela primeira e única vez a competição por equipas em 2009, e Amer Naow, terceiro melhor jogador sírio, recorda bem esse momento e a sua importância. “Estava no 9.º ano na altura, que é um ano muito importante na Síria, em que tens de estudar muito. Estava num período de exames e lembro-me de ir todos os dias apoiar a equipa. A minha mãe e o meu pai chateavam-se comigo quando voltava, mas eu queria apoiar a equipa”.

Passado 7 anos, Naow, agora com 21, pode viver toda essa experiência, apesar das condições não serem as que um dia imaginou. Hoje em dia, as eliminatórias são disputadas bem longe da sua cidade e todos os jogadores tiveram, um por um, de sair dela em busca de trabalho, estudos e principalmente segurança. Parte das suas famílias ficou para trás.

Amer Naow

Amer vive hoje em dia na capital libanesa, Beirute, com o seu irmão Hasim (atualmente com 15 anos e já número 400 mundial de juniores). O mais velho dos irmãos conta que o seu irmão tem sorte em ainda estar vivo. Há cerca de três anos, quando treinavam juntos em Alepo, uma bala perdida passou a apenas 3 metros de Hasim. Passado um ano, em Damasco (capital da síria), caiu uma bomba perto de onde treinava, que o projetou para o chão e lhe causou ferimentos numa mão.

É assim a realidade de quem vive e treina num clima de guerra, mas para Amer todos estes acontecimentos fortalecem a mentalidade de quem passa por eles. “Isto acontece a muito jogadores enquanto praticam. A sua personalidade mudou desde então, quer dentro quer fora de campo. Ele é mais forte e menos nervoso. Esta é a mentalidade do povo sírio. Adaptámos-nos ao clima de guerra, e sinto que temos o coração mais forte”.

“Qualquer que seja o local onde cai uma bomba, as pessoas limpam, arranjam o que podem e a vida continua. Todos rezam, e se ninguém se aleijar ou morrer, dizem: É a vontade de Deus.”

O mais experiente jogador do contingente sírio, Marc Abdelnour, de 27 anos, e que atualmente reside no Canadá (com o seu irmão Bruno), chegou a estudar nos Estados Unidos através de uma bolsa proporcionada pela Florida Atlantic University, que lhe permitiu continuar a jogar ténis ao mesmo tempo que tirava um curso. Marc lembra-se bem dos momentos vividos no início da crise no seu país. “No início pensávamos que iria acabar bastante rápido, mas agora sabemos que não terá fim num futuro próximo. Tu consegues sentir o desespero das pessoas mais do que nunca. Em Alepo, na maior parte das vezes não tinham água nem electricidade”.

“Tenta-se evitar sair à rua e ficar num sítio seguro, que é a tua casa, mas mesmo essa opção não é muito segura. A tua casa pode ir abaixo a qualquer momento. A minha ainda está de pé, mas poderá já não estar amanhã. Todos os que conseguem estão a tentar sair“, afirmou, testemunhando a insegurança vivida naquela região desde o início do conflito.

Marc Abdelnour

Marc, que chegou a figurar na 747.ª posição do ranking ATP há três anos, tem esperança de que possa voltar para o seu país nos próximos cinco anos, apesar de admitir que a guerra está para durar. “Se espero que a guerra acabe em pouco tempo? Sinceramente não. Neste momento escalou para níveis fora do controlo. Há o ISIS, que está tomar partido da fraqueza do governo. Há grupos de terceiros – uns terroristas e outros revolucionários. Tornou-se extremamente complexo a nível politico e levará algum tempo a resolver-se. Mas eu sonho em voltar dentro de cinco anos e poder reconstruir a minha vida no país onde nasci.”

O único dos quatro jogadores que não passou pelo clima de guerra foi Karrem Allaf, de 17 anos, que é o único sírio com classificação no circuito profissional. Atualmente, Karrem vive e estuda nos Estados Unidos, no Iowa, mas nasceu e cresceu no Dubai. O pai é sírio e é daí que tem a nacionalidade.

Equipa síria da Taça Davis

A história relatada pelo Tennis.com e que o Ténis Portugal partilha em português permite perceber todos os sacrifícios que um jogador nesta situação tem de ultrapassar para continuar a fazer aquilo de que mais gosta: jogar ténis. A seleção síria da Taça Davis encontra-se atualmente no Grupo III (4.ª divisão) desta competição. A próxima eliminatória será disputada em Teerão, no Irão, entre os dias 11 e 16 de julho e contará com 9 equipas divididas em dois grupos (um de quatro e outro de cinco), das quais duas serão promovidas ao grupo II. Apesar de viverem momentos que dificilmente serão esquecidos e que não parecem ter fim à vista, os jogadores continuam a lutar para levar o seu país o mais longe possível com determinação, esforço e esperança de que tudo volte, um dia, a ser como antigamente. À espera de poderem voltar para casa. Para as suas famílias. E não vão deixar de sonhar, porque o sonho comanda a vida.

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