Ainda o sol começava a colorir o céu lisboeta e já Nuno Café se preparava para mais um dia na Escola de Ténis com o seu nome, nas instalações do Boa-Hora Futebol Clube. Foi assim durante dezassete anos. Antes, deu continuidade a uma carreira iniciada como jogador no sul do país até que se formou como treinador. Agora, aos quarenta e cinco anos de idade, transmite os seus conhecimentos do outro lado do mundo e partilha com o Ténis Portugal uma história de vida.
Tudo começou em Tavira, aos 13, e pouco depois já Nuno vencia o Campeonato Regional de Sub18. Essa foi uma das catapultas que o levou a Lisboa para rapidamente começar a treinar grupos no Club International de Foot-Ball. Tinha 18 anos e aí começava uma carreira de treinador, sim, figura no ténis nacional, também, mas sobretudo pilar fundamental no crescimento e evolução de muitos jovens dentro do campo. Afinal, é lá que Nuno Café gosta de estar.
Exerceu grande maioria dos cargos que seria possível, desde Presidente do Conselho Técnico da Federação Portuguesa de Ténis (2002-2003) a Diretor Técnico da Associação de Ténis de Lisboa (2004-2006) e Presidente do Conselho Técnico da Associação de Ténis de Lisboa (2008-2009), tendo sido ainda seleccionador regional de sub14 e 18; e completou o curso de treinador de nível 3 da FPT, o curso de treinador nível 1 USTA, com Nick Bollettieri, e o curso de treinador nível 1 e 2 em Espanha.
O seu percurso é, também ele, impressionante: ao CIF (onde voltaria por dois anos) seguiu-se um ano em Leiria e outro no Ace Team, já em Lisboa, clubes que, como diz, “onde aprendi muito e que foram muito importantes na minha formação como treinador” antes de criar a sua própria escola — a Escola de Ténis Nuno Café, nas instalações do Boa-Hora Futebol Clube (que ao longo da sua história celebrou a conquista de dez títulos regionais e nacionais). Era o “realizar de um sonho”, como explica: “Queria ter a minha escola e poder dar treinos porque nem sempre tive oportunidade de trabalhar com a competição. Especialmente no início foi o que mais me motivou.”
Com os seus atletas e grupo de trabalho, transformou o seu clube numa escola de bons resultados tenísticos e, sobretudo, num local de formação de melhores pessoas e de convívio e valores entre grupos de amizade que ainda hoje se mantêm. Parte desse sucesso deve-se, também, “a uma boa equipa técnica que esteve ao meu lado ao longo de dezassete anos, como Mário Mendes, João Gomes e João Pedro Santos, entre muitos outros.” Há, no entanto, um outro nome que Nuno destaca: o de António Van Grichen, “que deu os seus primeiros passos como treinador e que tem hoje um percurso fantástico. Já naquela altura demonstrava um grande profissionalismo e talento.”
Longe de casa, Nuno relembra que “as maiores dificuldades de criar um clube de ténis passaram por ser num clube e bairro sem tradição tenística” que após uns anos se tornou num “local de encontro para muitos jovens que jogam bem ténis e ganham títulos regionais e nacionais.” No Boa-Hora, com a Escola de Ténis Nuno Café, ensinou durante cinco anos meninos e meninas da Associação Abraço, que apoia jovens com SIDA. Esse, como por iniciativa própria nos diz, “foi um apoio voluntário da escola de ténis que nos deu muito orgulho, a mim e a toda a equipa técnica. Foi das coisas que mais gostei de fazer. Deixam saudades.”
Às décadas de ténis em Portugal seguiu-se uma aventura ultra-mares; uma aventura do outro lado do mundo, num território que começa a preparar e apostar no futuro da modalidade. Atualmente, e depois de um convite para trabalhar durante seis meses na Malásia, Nuno Café faz parte do grupo de treinos da PSS Tennis Academy, o melhor grupo de competição dos Emirados Árabes Unidos, depois de ter começado como Senior Coach e responsável pela parte técnica na Meydan Tennis Academy.
“Sempre dentro do campo”, como tanto gosta, Nuno passa os dias a treinar um grupo de rapazes e raparigas de 18 e 19 anos que dão os primeiros passos no circuito ITF, sobretudo em provas na Índia, Malásia e Filipinas. A adaptação, revela, “exigiu o seu tempo mas tem sido enriquecedor quer profissional quer pessoalmente. Existe uma grande diversidade de culturas e gentes e o ténis está a crescer muito por aqui.”
“Aqui existem treinadores e atletas de todo o lado, especialmente indianos, russos e ingleses”, confessa o treinador português, que tece grandes elogios à “adaptação dos clubes aos programas da ITF, em especial ao Play and Stay.”
O nível português, confessa, “ainda é melhor – há mais experiência e tradição, na Europa tudo é diferente.” No entanto, este parece ser um paradigma prestes a mudar nos Emirados Árabes Unidos: é que, a partir deste ano, passa a fazer parte do plano escolar um conjunto de treinos de ténis que tem em vista o crescimento da modalidade no país. Apesar de ser um dos grandes objectivos da Federação de ténis local, para Nuno “é preciso tempo porque a mentalidade dos locais precisa de crescer e a capacidade de trabalho tem de aumentar. O dinheiro não paga tudo…”
Ao Ténis Portugal, Nuno Café revelou ainda serem “os indianos os tenistas com mais garra. Aos atletas locais falta garra, têm a vida facilitada.” Na PSS Tennis Academy, a chave para o sucesso passa por envolver os pais e atletas num percurso universitário. “Trata-se de uma preparação para conseguir uma bolsa de estudo nos Estados Unidos da América através do ténis”, adianta Café. “É preciso treinar muito e ter um bom nível. Depois, se conseguirem, terão muito boas condições para eventualmente tentarem o circuito profissional quando terminarem o curso.”
Apesar de estar ‘longe de casa’, Nuno não deixa de acompanhar o ténis nacional e deixa elogios ao trabalho conjunto de João Sousa e Frederico Marques: “São um bom exemplo de óbvio potencial tenístico não precoce e bem trabalhado, resultado da vontade de provar, capacidades e maturidades dos dois.”
No panorama internacional, o técnico português reconhece que “existem vários jogadores que podem ter bons resultados mas vão ter dificuldade em afirmar-se com maior consistência nos próximos cinco anos, enquanto o Djokovic e o Nadal jogarem. Ter consistência nos resultados durante algum tempo requer um grande profissionalismo e não podem existir problemas de motivação.”
Nesse capítulo, “João Sousa é um bom exemplo de potencial tenístico evidente e de muita vontade de provar talento e de capacidade de trabalho e maturidade não precoces, tanto dele quanto do Frederico [Marques], que pelo que sei é muito bom treinador.” A par de ambos, também o seu bem conhecido “António van Grichen, um muito bom treinador, deve ser um orgulho para Portugal.”
De volta ao Dubai, foi lá que Café pode observar alguns dos melhores do mundo aquando da passagem da edição inaugural da International Premier Tennis League pelos Emirados Árabes Unidos. “Este novo modelo por equipas é muito interessante”, começa por afirmar. “É mais dinâmico e emotivo e tem muito poucos tempos mortos. Nota-se que os jogadores se divertem e o público também. As novas regras, em especial o ponto duplo quando um elemento da sua equipa atira a toalha para o meio do campo, foram sempre muito emocionantes, foi um espectáculo muito bem conseguido.”
E assim, do outro lado do mundo, Nuno Café, pai e treinador, vai dando novos passos nesta grande aventura. O desejo de um dia voltar, esse, não desaparece.