Especial Roland Garros: A preparação, as adaptações e os êxitos de João Sousa aos olhos de Frederico Marques

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PARIS, França — Treinar, jogar, descansar. Treinar, jogar, descansar. Treinar, jogar, descansar. O calendário dos circuitos mundiais é apertado e dá pouco tempo aos protagonistas, que têm de se organizar, definir objetivos e, acima de tudo, trabalhar. Os torneios do Grand Slam são o auge desse sacrifício e por isso quisemos saber como é que os dois representantes portugueses nesta edição de Roland Garros se prepararam.

Frederico Marques, treinador de João Sousa, esperava nas imediações do Court Philippe-Chatrier. Com o Stade Roland-Garros totalmente cheio, restou-nos um muro de cimento — o novo cimento que dá forma ao renovado estádio principal — como local de conversa, enquanto milhares de pessoas por ali passavam.

A conversa é longa, interessante e detalhada. O objetivo era ficar a saber mais sobre a preparação nos dias anteriores a um torneio do Grand Slam, mas também falar do encontro que o melhor tenista português de todos os tempos tinha acabado de jogar — e perder — e, porque no ténis é difícil antever o próximo reencontro, houve ainda tempo para reflexões, explicações e garantias.

Frederico Marques começou por explicar que “a preparação depende da altura do ano em que se está e também a dinâmica que temos, se de mais ou menos vitórias”. E foi a partir daí que se desenvolveu a conversa.

“Costumamos sempre competir na semana anterior porque não gostamos de chegar com muitos dias de antecedência, senão o torneio torna-se muito longo caso se jogue durante muito tempo”, revelou o treinador português de 32 anos, natural de Lisboa.

Por essa razão e também pela “vontade de ganhar a dinâmica de vitória, de recuperar aquele hábito de ganhar um jogo e começar a preparar o outro”, decidiram jogar Genebra na semana anterior — uma viagem que inicialmente não estava nos planos.

Mas a sorte não esteve do lado deles.

Fotografia: António Borga

O tenista vimaranense foi bem sucedido numa difícil primeira ronda frente a Leonardo Mayer mas depois foi derrotado de forma esclarecedora: 6-0 e 6-3 perante Albert Ramos-Vinolas. Nesse encontro, revelou Frederico Marques, foi a jogo com “uma pequena lesão na perna” que tinha contraído na semana anterior, em pleno Masters 1000 de Roma. “No dia em que choveu estivemos sentados e parados e no final do dia decidimos fazer físico para o ativar para o dia seguinte, mas no final sentiu um toque na perna e acabou por jogar com um anti-inflamatório contra o Federer”, um encontro em que apesar da derrota se apresentou a um nível muito convincente.

Seguiram-se os exames obrigatórios. Primeiro em Roma, depois a ressonância em Barcelona, e entretanto chegou a hora de fazerem a viagem até Paris.

Carga, repouso emocional, frescura e alimentação como “segredos”

Mas como é que é, então, feita a preparação para um torneio do Grand Slam?

Porque pode dar-se o caso de se jogarem cinco sets, “tentamos fazer treinos mais longos no início da semana para ser o mais parecido possível à competição. Até às três horas, três horas e meia. Não fazemos tanto físico fora do campo mas mais dentro, para que o João se habitue à carga e à intensidade da competição.”

“É importante ter atenção ao descanso psicológico e emocional e dois dias antes [do encontro de estreia] começamos a retirar carga para ele estar fresco e com vontade de competir”, contou Frederico Marques, que depois abordou um fator que dificilmente conseguem controlar: as condições de jogo.

Uma das razões que levam João Sousa a Genebra regularmente é a altitude, que torna as condições de jogo mais rápidas e faz do torneio um dos mais rápidos em terra batida em todo o circuito, a par de Madrid e… Roland Garros. Mas este ano o “Major” francês mexeu nos campos e “encontrámos uma superfície bastante mais lenta do que aquela a que estávamos habituados” — e que, em sentido inverso, agradou e muito ao estilo de jogo de Pablo Carreño Busta.

“Ver que estavam um bocadinho mais lentos trocou-nos as voltas e tivemos de nos adaptar o mais rápido possível. Ontem [domingo, véspera do encontro] ainda fizemos um treino ao final do dia, para forçar a que estivesse ainda mais lento, tentámos esperar para ver se chovia e nos habituarmos ao extremo oposto, mas não foi possível.”

Uma vez feito o reconhecimento do terreno — que também implica a habituação às bolas, que por motivos de patrocínio variam constantemente entre torneios —, João Sousa e Frederico Marques entram naquela que é a sua rotina de circuito. “O mesmo hotel, o mesmo restaurante, se possível as mesmas horas para o pequeno almoço”, revelou. “O ténis é um desporto tão exigente, tão contínuo e muitas vezes sistemático e por isso é importante termos as nossas rotinas cá fora. Comer à mesma hora, fazer o mesmo tipo de aquecimentos para ganhar confiança e entrar bem e acima de tudo não pensar muito, o problema é quando se pensa demasiado porque o inconsciente é o melhor que temos.”

Frederico Marques e João Sousa na Beloura Tennis Academy
Fotografia: Jorge Cunha/AIFA

Em dias de jogo, e sobretudo como aquele em que João Sousa se estreou nesta edição de Roland Garros — foi a jogo logo às 11h da manhã —, há que “acordar sempre mais ou menos três horas antes do jogo” e começar todo o processo de preparação. “Quando se joga o primeiro encontro o inconveniente é que muitas vezes tem de se comer massa, ou arroz, logo às 10h da manhã porque nunca sabemos quando é que o jogo vai acabar. É preciso hidratar bem quando se acorda, tomar um pequeno almoço e antes de entrar um segundo, o chamado brunch, e hidratar bem outra vez. Cada um tem as suas rotinas e segredos mas a base passa muito por aí. Damos muita importância à alimentação, à hidratação, ao estar bem, porque sabemos que somos fortes na parte física.”

À procura da alegria de ganhar

No final do encontro da primeira ronda de singulares, João Sousa não quis falar de confiança e atribuiu “mérito total” ao adversário, mas Frederico Marques reconheceu que o que viu das bancadas não lhe agradou.

“Do meu ponto de vista há uma dinâmica positiva, em que se está habituado a ganhar e o cérebro quer mais, e depois às vezes há uma dinâmica negativa na qual se perde e não há problema por isso, porque já se perdeu algumas vezes ou houve uma expetativa e então a frustração aparece muito mais rapidamente, ao segundo ou terceiro erro fica-se muito mais frustrado do que das outras vezes”, apontou.

“Para mim hoje [domingo] entrou-se um bocadinho assim, a frustração foi muito mais rápida a aparecer, transformou-se em apatia e entrou-se no processo negativo, no ‘não estou a jogar bem, vou perder outra vez’. Não se viu um João tão emotivo e guerreiro. Muitas vezes mesmo quando não corre bem ele está lá, marca presença, joga com os gritos, com o tempo, com outras coisas. Se ele vai jogar com um Federer, que tem melhor direita, melhor esquerda, melhor serviço e movimentação, como é que lhe podemos ganhar? Com o querer. Temos de acreditar que é possível, remar, como costumo dizer, lutar mais, gritar mais e jogar com tudo o que depende de nós. Desta vez em momento nenhum se conseguiu isso.”

Frederico Marques não considera que esta esteja a ser uma época terrível (“até é dos anos em que ganhámos mais ou tivemos menos primeiras rondas”), mas “não fizemos um torneio muito bom, como costumamos fazer.” E por trás desta falta de alegria pode estar, reconhece, as alterações técnicas “que até ao momento não estão a dar os seus frutos e que o podem tirar da zona de desconforto.”

“Mas como costumo dizer em termos de sanidade mental não há pior do que querermos fazer sempre a mesma coisa à espera de ter um resultado diferente. Gosto de arriscar, evoluir e fazer coisas novas para ser sempre melhor e optei por fazer uma ou outra alteração entre o serviço e a direita, mudar a dinâmica da pancada, gerar um bocadinho de força a mais num ou outro pormenor que lhe podem fazer mais confusão. É mais arriscado mexer numa pancada da qual ele depende tanto mas se queremos evoluir, se queremos ser melhores, e eu como treinador tenho como motivação diária fazer do João um jogador melhor, mais próximo dos 10 do mundo, temos de tentar.”

O treinador português não escondeu que “durante dois ou três meses podemos perder contra adversários contra os quais não perdíamos, ou sentirmo-nos fora da zona de conforto, mas mais tarde o João pode ser um jogador mais completo e num grande torneio somar muitos, muitos pontos.”

Fotografia: António Borga

“Fala-se muito de ‘queremos que o João seja top 30, seja top 20’, mas se calhar para isso é preciso ele ter uma melhor direita cruzada, um segundo serviço com mais velocidade, uma esquerda com melhores direções e não apenas uma, usar muito mais as pernas, temos de ser mais completos e para isso é preciso sair da zona de conforto e toca a sofrer — e às vezes toca a perder. Se há alguma coisa que nos custa temos de a fazer porque isso quer dizer alguma coisa. Só aí é que conseguimos evoluir, sair dessa zona de conforto. Nos últimos meses saímos, nos treinos mudaram-se também muitas coisas, muita maneira de falar, de encarar os treinos e realmente essa confiança poderá ter sido um bocadinho afetada.”

É um processo, admite. “Uma pessoa estar a 70 do mundo continua a ser um êxito, um grande jogador. E acho que o êxito do João não passa só por ter uma grande direita e uma grande esquerda ou por ter ganho o Millennium Estoril Open ou feito uma quarta ronda do US Open. O êxito dele e da carreira passa por falar cinco ou seis idiomas, por estar há vários anos constantemente entre os melhores jogadores do mundo, por ser respeitado pelos melhores jogadores do mundo e pela consistência que ele tem. Não precisar dos pais economicamente para nada, isso para mim é êxito na vida. Depois podemos pôr mais uma direita ou menos uma direita, ganhar um ponto de break ou não, mas já tens êxito e és uma pessoa que tem de estar sempre feliz com o que já fizeste. Em termos de evolução eu estou tranquilo, acho que o João também deve estar. É óbvio que queremos chegar aqui e fazer uma quarta ronda ou quartos de final mas é um processo. Ele tem 30 anos, continua ambicioso, a acreditar que ainda pode chegar a melhor do que 28.º. Nos pares as coisas têm corrido bem, se calhar nunca acreditou que podia estar nos primeiros 50 e chegou a entrar nos primeiros 30, fazer rondas muito avançadas de torneios, também tem esse nível e é um jogador muito mais completo.”

Agora, o objetivo passa por “reencontrar a alegria de ganhar”. Frederico Marques contou que o segredo pode passar por “um regresso a casa, a Barcelona, a Portugal, para descansar, estarmos tranquilos e sem competição, porque estar a trabalhar nos torneios é complicado e com o boom que nos apareceu nos pares não tem sido nada fácil. Em Madrid não se preparou tão bem Roma porque estivemos praticamente até sábado, nos torneios anteriores também, como continuamos em prova nos pares treinamos sempre um bocadinho mais para isso e perde-se a dinâmica de singulares.”

Por isso, revelou, “não seria de estranhar deixar de ver o João a competir tanto em pares nas próximas semanas para jogar nos singulares a 100%. Não que até aqui não o tenha feito, mas como as coisas não estão a correr tão bem é preferível descansar o corpo e a mente para estar fresco.”

Só assim será possível “alcançar a estabilidade que lhe vimos agora nos pares”. “Sim, pode estar a 20 do mundo, mas é preciso ter o nível, a velocidade de bola e mais padrões de jogo e é nisso que estamos e vamos trabalhar.”

Segue-se a temporada de relva. A rota já foi desenhada — quadro principal em s’-Hertogenbosch (Holanda), qualifying em Halle (Alemanha), quadro principal em Antália (Turquia) e Wimbledon (Inglaterra) —, mas primeiro há que ver como reagem o corpo e a mente.

Última atualização às 23h19.

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