London Calling, Episódio 5 | “O português que estendeu a passadeira a Dimitrov”, por Miguel Seabra (em Londres)

Fotografia: Thomas Lovelock/ATP World Tour

Miguel Seabra viajou até Londres para acompanhar mais uma edição do torneio dos mestres, este ano oficialmente designado Nitto ATP Finals, e deixa-nos os seus pontos de vista em crónicas complementares à nossa cobertura do torneio. O título ‘London Calling’ é alusivo ao tema dos Clash com o mesmo nome.

London Calling – Episódio 5

Por Miguel Seabra, em Londres

Aqui fica um último rescaldo sobre a recente cimeira que em Londres reuniu os melhores jogadores do mundo na presente temporada que estavam disponíveis para lutar pelo título. Grigor Dimitrov, um rapaz com boa onda mas desde há muito afetado pela colagem a Roger Federer (‘Baby Fed’ para aqui, ‘Baby Fed’ para acolá…), conseguiu libertar o seu melhor ténis e fechar a época de 2017 como a havia começado: a erguer um troféu. Eis os meus últimos apontamentos antes da viagem para Lille, onde a partir da próxima sexta-feira se joga a final da Taça Davis entre as vizinhas França e Bélgica.

Jovens tremeram 

Alexander Zverev, que já tinha tido a sua pancada de direita cirurgicamente desmantelada por Roger Federer, voltou a demonstrar lacunas nesse seu golpe no encontro que o deveria ter colocado nas meias-finais – mas foi sobretudo no plano mental que falhou diante de Jack Sock, perdendo mais uma oportunidade de se afirmar ao mais alto nível. Aos 20 anos, esperava-se que tivesse mostrado mais a famosa ‘inconsciência da juventude’ e não sentir tanto o momento; o peso das expectativas e o facto de ser recorrentemente apontado como futuro número um tem-no condicionado nalguns dos seus compromissos mais exigentes. Chegado a Londres no terceiro posto da hierarquia sem nunca ter atingido os quartos-de-final de um torneio do Grand Slam, o jovem alemão viu-se ultrapassado por Grigor Dimitrov no ranking; o seu potencial é enorme, resta-lhe fazer os ajustes necessários para complementar os seus títulos Masters 1000 com melhores prestações em torneios ainda maiores. Quanto a Dominic Thiem, não tem revelado progressos e isso começa a tornar-se preocupante: a sua base de jogo é forte e suficiente para conseguir bons resultados, mas jogar demasiado atrás no campo e a incapacidade de encurtar convenientemente os seus enormes backswings nas alturas em que tem de vir mais para a frente está a travar a sua melhoria ao mais alto nível. Menos jovem, Marin Cilic também foi uma decepção: seria de supor que, com Jonas Bjorkman como treinador, desenvolvesse mais o seu jogo ofensivo e fosse mais ousado… mas, como me confessaram os meus colegas croatas, está demasiado conservador e perdeu aquela (pequena) pontinha de loucura que Goran Ivanisevic lhe dava; perdeu ingloriamente encontros nos quais teve uma preciosa vantagem no marcador e, pior do que isso, adivinhava-se que claudicasse nesses momentos mais apertados e claudicou mesmo. Não é bom sinal.

Os nomes e o nível

Sem tantos nomes sonantes e algumas tremideiras constrangedoras em determinados encontros, ficou a sensação de que esta edição da prestigiada cimeira de final de ano foi fraca. Mas não foi tão fraca como isso. Houve muitos encontros decididos somente na terceira partida em parte devido ao court instalado por um português na O2 Arena – ao passo que, como me referiu Roger Federer logo no início da prova quando lhe pedi uma análise à superfície de jogo, até ao ano passado verificavam-se muitos encontros desequilibrados porque os jogadores mais fortes no fundo do court aproveitavam o piso mais lento e o facto de o serviço não fazer tanto a diferença. Com o piso mais rápido, torna-se mais fácil os jogadores defenderem o seu golpe de saída e, com menos breaks, os parciais tornaram-se logicamente mais equilibrados. De qualquer das formas, apesar do número de encontros em três sets e de alguns bons duelos, não houve nenhum verdadeiramente transcendente no plano da qualidade e do dramatismo. O envolvimento do público também não foi o mesmo porque não existe tanta familiaridade ou mesmo afinidade com determinados jogadores (como Pablo Carreño-Busta, Jack Sock, Dominic Thiem, David Goffin e mesmo Maric Cilic, que no entanto já ganhou um título do Grand Slam e foi finalista este ano em Wimbledon)… e quando o ‘factor personalidade’ está fora da equação, os espectadores tendem a exigir mais do nível de jogo. Sem o peso emocional, a racionalidade torna a avaliação mais céptica.

Surpresas boas

No plano positivo, o torneio ficará recordado como tendo ‘oferecido’ a Grigor Dimitrov um grande troféu e talvez uma plataforma que lhe permitirá dar um novo salto na sua carreira… embora o búlgaro tenha logo no arranque da próxima temporada muitos pontos a defender, com o título em Brisbane e as meias-finais no Open da Austrália. Grisha mostrou estar fisicamente melhor do que todos os outros e, quando assim é, consegue tirar o melhor do seu ténis e fazer coisas extraordinárias no court – tanto no plano atlético como técnico. David Goffin também esteve bem, mesmo tendo ganho com alguma tremideira um encontro diante de Rafael Nadal no qual o espanhol atuou diminuído; depois, o belga soube deitar para trás aquela sova que levou de Grigor Dimitrov para garantir o acesso às meias-finais e ganhar meritoriamente arriscando diante de um Roger Federer que mostrou alguma falta de frescura mental – foi um ano para o campeoníssimo com grandes resultados, mas sobretudo um ano com emoções muito fortes na sequência do seu regresso ao mais alto nível que também exigem a sua factura no plano emocional. Jack Sock foi, à sua maneira, uma lufada de ar fresco: sempre bem disposto, o sorridente americano mostrou no court brutais alternâncias de ritmo, combinando a sua grande e rápida direita topspinada com desacelerações de esquerda em slices acentuado, para além dos amorties e das subidas à rede – atenção a ele, o seu jogo não é tão limitado como parece!

Grande Adriano

E o título (‘O português que estendeu a passadeira a Dimitrov’) desta minha última peça sobre o torneio dos mestres – continua a custar-me chamá-lo Nitto ATP Finals… – é uma homenagem ao meu amigo Adriano Lago Pereira, que foi o responsável pela instalação do court na O2 Arena. Como aliás tem sido desde que o torneio se mudou para Londres. E este ano, à semelhança do que já havia acontecido em 2016, o court foi construído para ser mais rápido a pedido da própria organização. Adriano Lago Pereira é o braço direito de Javier Sanchez na GreenSet, a lendária empresa francesa de instalação de equipamentos desportivos que entretanto foi adquirida pelo antigo tenista espanhol. Aos 37 anos, já tem 17 de experiência no sector com montagens nos principais eventos tenísticos em recinto coberto (incluindo Taça Davis e Fed Cup) e lidera uma equipa que em Londres integrou também os seus conterrâneos de Ponte de Lima José Lima, Carlos Cerqueira, João Lima, Álvaro Lago e Hélder Lago – exatamente a mesma equipa que montou os courts dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro e, mais recentemente, do ATP 500 de Basileia e do Masters 1000 de Paris. Adriano Lago Pereira não é conhecido do público em geral, mas tem um papel que acaba por ser relevante no circuito profissional e merece uma alusão no título e também a fotografia.

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