London Calling, Episódio 3 | “O mestre da tática”, por Miguel Seabra (em Londres)

Miguel Seabra está em Londres para acompanhar mais uma edição do torneio dos mestres, este ano oficialmente designado Nitto ATP Finals – e vai-nos deixar os seus pontos de vista em crónicas complementares à nossa cobertura do torneio. O título ‘London Calling’ é alusivo ao tema dos Clash com o mesmo nome. 

London Calling – Episódio 3

Por Miguel Seabra, em Londres

Já arrancou a quarta jornada do torneio de encerramento de época agora apelidado Nitto ATP Masters, mas a primeira grande ilação desportiva tem a ver com o que se passou na sessão nocturna da terceira jornada – a qualificação do Roger Federer para as meias-finais logo ao cabo do seu segundo encontro. As vitórias sobre Jack Sock e Alexander Zverev permitiram-lhe ser o primeiro dos oito mestres a atingir a penúltima fase da cimeira que reúne os melhores tenistas do circuito profissional masculino, o que sucede pela 14ª vez em 15 participações. Logo após Federer, também aquele a quem apelidam de ‘Baby Federer’ se qualificou, na sequência do encontro vespertino desta quarta-feira.

Pelas próprias palavras

Gosto sempre de puxar Roger Federer para uma conversa mais técnica porque sei que ele responde ao desafio e nunca desilude – seja relativamente ao material (raqueta, encordoação), seja relativamente à táctica, dá-me sempre respostas especialmente elaboradas. O duelo protagonizado diante de Alexander Zverev pode ter tido momentos em que pareceu mal jogado devido à acumulação de erros, mas não nos podemos esquecer de que a prestação de um jogador está sempre condicionada pela réplica do seu adversário… e Sascha não é um opositor qualquer. Na reta final, o ‘velhote suíço’ descolou no marcador da terceira partida muito pelo facto de ter conseguido desmantelar a direita do jovem germânico.

E foi por aí que comecei a conferência de imprensa com o campeoníssimo. “Roger, obviamente que ele tem grande potencial. E esse teu canivete suíço que tens na esquerda cortada, com slices baixos, curtos e cruzados, é algo que utilizas frequentemente como táctica diante de adversários muito altos e com esquerdas a duas mãos, mas foi sobretudo importante o modo como desmantelaste a direita dele. Qual foi a tua preparação táctica para o encontro?”.

A resposta merece ser integralmente reproduzida: “Bom, nunca temos certezas absolutas. Acho que desta vez consegui ‘ler’ melhor a direita dele do que em Montreal, onde conseguiu muitos winners tanto de esquerda como de direita. As condições também eram diferentes. Foi ao ar livre. Estava quente. Sessão diurna. Foi mais difícil ver bem a bola. Por isso acho que não estava a conseguir antecipar bem os seus intentos em Montreal durante um set e meio, até eu me lesionar nas costas.  Mas esta noite consegui manter-me firme e usar o meu slice eficazmente para a esquerda dele e depois variar para a direita. Também não se pode fazer sempre isso, porque o desenrolar da jogada nem sempre o permite. Honestamente, eu não estava a ser suficientemente bom com a minha esquerda para a esquerda dele. Estava sempre a sair do braço-de-ferro esquerda com esquerda, mudando para a direita – e eu teria gostado de me aguentar mais com ele na esquerda contra esquerda. Também usei muito a resposta cortada, gostaria de ter sido mais agressivo e bater a resposta. Mas achei que, especialmente no primeiro set, passei por fases em que só muito raramente conseguia responder em condições. Não podia aceitar isso. Eu talvez fosse perder devolvendo bolas e pelo menos dar-lhe a hipótese de falhar em vez de lhe dar jogos de borla na resposta. Por isso achei que foi um encontro duro, tivemos bons momentos mas momentos mais duros. Ele desperdiçou o tie-break do primeiro set. Tive alguma sorte. Depois tive um break de vantagem na segunda partida e fiquei frustrado por não ter ganho o segundo set. Talvez a decisão na terceira partida tenha sido justa”.

Quem pediu um Ferrero (Rocher)?

Alexander Zverev é mesmo o futuro do ténis. É verdade que é número três mundial sem nunca ter chegado aos quartos-de-final de um torneio do Grand Slam, mas isso vai mudar mais cedo ou mais tarde – pelo menos é essa a minha convicção. Continuo a achar a sua direita algo vulnerável e alguém com a assertividade técnico-táctica de Roger Federer saberá sempre explorar isso, como se viu no encontro entre ambos de terça-feira à noite.

O facto de o alemão de ascendência russa muitas vezes se desviar da direita para bater a esquerda numa zona central do campo indica bem a sua tendência/preferência. Mas essa sua execução técnica de direita tem melhorado muito e vai continuar a melhorar, sobretudo porque agora tem a acompanhá-lo um certo Juan Carlos Ferrero – o espanhol, antigo campeão do Estoril Open e de Roland Garros, tinha uma grande direita e sabia como utilizá-la da melhor maneira para abrir o campo e desequilibrar os antagonistas. É uma excelente adição à equipa técnica de Sascha, depois de o jovem alemão ter solicitado ao seu agente um treinador que tivesse tido a experiência de ser número um do ranking.

Conheço Juanqui desde tenra idade, quando ele ganhava todos os torneios internacionais juvenis em solo luso para depois conseguir também títulos profissionais em circuitos satélite, no Challenger da Maia (em 1999, permitindo-lhe estrear-se no top 100) e finalmente no Estoril Open (2001), auto-denominando-se “o mais português dos espanhóis”. E tive a oportunidade de trocar uma palavras com ele durante um treino com o germânico – podendo constatar também que ainda joga muito ténis, aguentando facilmente as trocas de bola com o seu promissor pupilo…

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