Esplendor na Relva | “Alarmes e Despertadores em breve”, por Miguel Seabra (em Wimbledon)

O meu amigo Simon Briggs, que escreve para o The Telegraph, tinha-me dito ontem à noite para comprar o seu jornal hoje. Fiquei intrigado mas nem insisti em querer saber porque razão ele me tinha feito tão específico reparo. Fiquei a perceber hoje: ele sabe que a minha outra área de especialização é a relojoaria (mecânica) e o tema do artigo de investigação que ele fez tinha precisamente a ver com a contagem do tempo.

A cacha que o Simon conseguiu é interessante: a organização do Open dos Estados Unidos prepara-se para implementar um sistema de contagem decrescente em que um alarme dispara a partir do momento em que certo limite temporal é alcançado – seja entre os pontos, seja na mudança de lado, seja após um tratamento médico (medical time out). Apesar de eu ser contra muitas das medidas que entretanto têm vindo a ser aplicadas e estão em vias de ser aprovadas nos próximos tempos (como a sede neutra para as finais da Taça Davis e Fed Cup, tie-break no quinto set na Taça Davis, sets curtos no Masters da NextGen e outras), acho bem que se arranje um modo de avisar os jogadores e o público que certo tempo foi decorrido… desde que não seja um som irritante ou desagradável, claro. Porque há mesmo jogadores que demoram tempo excessivo e é necessário evitar abusos.

Ainda não tive a oportunidade de me encontrar com o Carlos Ramos aqui em Wimbledon, mas ontem encontrei o Mohamed Lahyani e o James Keothavong num dos corredores aqui do All England Club e eles próprios me disseram que a maior parte dos jogadores estava a demorar menos tempo entre os pontos – isto depois de eu ter puxado à conversa a deselegante tirada do Rafael Nadal dirigida ao Carlos Ramos durante Roland Garros, a de que o juíz-de-cadeira português deveria dar-lhe nesse encontro todas as violações de tempo porque não o iria arbitrar mais…

Claro que há momentos que requerem maior contemporização e muita sensibilidade por parte do árbitro, como sucede após uma jogada longa e quando o encontro já foi transformado em maratona ou quando o público está ainda a fazer excessivo ruído; mas há tenistas que demoram propositadamente muito tempo (e digo propositadamente porque desenvolveram rotinas morosas de concentração) e isso não é justo para o adversário nem adequado para o ritmo do encontro, sendo que os limites legais são frequentemente ultrapassados. Qualquer árbitro um pouco mais duro ou menos macio na gestão do tempo é muitas vezes criticado pelos jogadores e respetivos fãs, como sucedeu com Carlos Ramos relativamente a Rafael Nadal e Novak Djokovic em Roland Garros.

Perspectiva histórica

Convém não esquecer que, até 1975, não havia sequer intervalos nas mudanças de lado – aliás, não havia sequer cadeiras para os jogadores se sentarem! Esses intervalos surgiram precisamente em Wimbledon para que a cadeia norte-americana NBC, que transmitia então o torneio britânico, pudesse passar publicidade. E depois essa medida estendeu-se aos outros torneios na fase de popularização tenística dos anos 70 com a ajuda da televisão – porque, de facto, o ténis é talvez o mais telegénico dos desportos devido aos close-ups que nos dão toda a familiaridade com os campeões, ao espaço de jogo restrito visível a partir de um ponto fixo e à criação desses tempos de intervalo ideais para a publicidade que ajuda a pagar as contas. Algo que também não acontecia até à viragem do milénio era o facto de os apanha-bolas andarem com toalhas atrás dos jogadores: os jogadores é que levavam a toalha e a iam buscar ao canto quando necessário – e assim é que deveria ser, porque os apanha-bolas estão lá para apanhar bolas e não toalhas, sem esquecer o problema higiénico que isso pode acarretar para eles. Rafael Nadal, que sua muito, hoje em dia até leva duas toalhas para os apanha-bolas dos dois cantos de modo a ter acesso a elas mas rapidamente.

O limite *teórico* entre os pontos deveria ser de 20 segundos nos torneios do Grand Slam e de 25 segundos nos eventos do circuito regular; a disparidade é um disparate, embora tenha uma lógica que pode ser incongruente: 20 segundos para que não se arraste um encontro à melhor de cinco sets que já por si é mais demorado, mas depois esses 20 segundos podem ser insuficientes num quinto set pós quatro horas de jogo e com o público ao rubro. A USTA (Federação de Ténis dos Estados Unidos) quer passar dos 20 para os 25 segundos de maneira mais rígida e tudo indica que passará a ser esse – 25 segundos – o intervalo uniformizado a partir do próximo ano. O árbitro escolherá o momento em que vai acionar o cronómetro com a contagem decrescente que depois acionará o alarme, podendo escolher demorar um pouco mais após um daqueles pontos demorados que deixam o público de pé.

Vamos então ver se é mesmo confirmada a medida experimental da USTA e como é que a coisa vai funcionar no qualifying para depois eventualmente se estender ao quadro principal. E a medida não visa apenas combater o ritmo lento de jogo provocado pelas demoras entre os pontos; tem também a ver com a assistência médica e os abusos no período de aquecimento – que deve ser de somente cinco minutos mas que se estende muito para lá disso, até porque os jogadores se voltam a sentar. Há outra situação que precisa urgentemente de ser controlada: a das idas ao balneário, que não estão balizadas nos regulamentos e que também dependem muito da localização dos courts relativamente às instalações dos jogadores; muitas vezes os jogadores e as jogadoras abusam e cortam propositadamente o élã aos adversários, embora se trate de uma situação enquadrada pela lei.

O irónico é que o jogador que tem sido mais visado pelas demoras é Rafael Nadal, que joga com um relógio de 700.000 euros no pulso. Não será aqui que vou explicar todas as valências do Richard Mille RM27-03 Turbilhão Rafael Nadal, mas posso-vos afiançar que é um portentoso concentrado de tecnologia relojoeira mecânica com um peso total de somente 34 gramas e resistência a forças de 10.000Gs – sendo o único relógio dotado de turbilhão (a mais nobre e frágil das complicações da relojoaria mecânica tradicional) a poder ser usado no pulso de um jogador de ténis sem que precise de ser arranjado após cada encontro…

O RM27-03 é o quarto modelo da Richard Mille utilizado por Rafael Nadal desde que se associou à marca em 2010 e foi estreado antes de Roland Garros. Como se sabe, estava com ele no pulso quando ergueu La Decima em Paris. E esta tarde o Rafa emprestou-mo para tirar uns wristshots… aqui fica uma fotografia do prodígio, devidamente equipado com uma bracelete branca para condizer com os equipamentos obrigatoriamente brancos de Wimbledon:

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